O abuso que se converte no abusador
Antes de iniciar de fato, quero deixar bem claro que este texto é uma impressão de coisas que vivi e presenciei, assim como não se trata de algo querendo inocentar ou tirar a responsabilidade de atitudes que tomamos conhecimento todos os dias. Mas, sim, de apresentar um ponto de vista que merece atenção e remonta às origens de onde se forma um caráter falho e distorcido.
Nos anos 80 e 90 eu era uma criança que iria passar pela adolescência e depois viraria adulto, isso já perto dos anos 2000. Porém, o que eu vi e presenciei na infância é uma geração que hoje fala muito dos bons tempos, mas que criou outra geração que não condiz com bons tempos quando olhamos para o comportamento.
Mas que comportamento é esse que quero abordar?
Bem, vamos aos fatos que eu presenciei quando ainda era criança através de frases que você vai entender rapidamente, assim espero.
“Menino não chora, isso é coisa de bicha!” – frase dita por uma irmã para o irmão mais novo.
“Cala a boca, seu bichinha!” – novamente uma irmã para o irmão mais novo (não estou falando aqui de uma menina de 12 anos falando com o irmão de 10, mas da irmã de 17 falando com o irmão de 8 e isso segue até os 16 anos dele).
“Não filho, escolha o azul, rosa é cor de menina!” – uma mãe convencendo o filho a não usar roupas com cores de “menina”.
“Isso é roupa de menina, não use isso!” – frase de uma prima ao ver o primo vestindo calça legging para praticar ciclismo.
“Filho meu não lava louça!” – uma mãe para as outras mães sobre o filho ajudar em casa.
“Deixa isso aí, cozinha não é lugar de homem ficar!” – frase de mulheres para os homens da casa não “atrapalharem” enquanto elas faziam o almoço.
“Filho, aquela lá é uma vagabunda, não é pra você!” – uma mãe com ciúme do filho dando sua opinião sobre a nora.
“Minha filha não é gente, minha filha é um lixo!” – frase de uma mãe com ciúme da filha por ela ser bonita e causar admiração dos homens.
Não pense que um menino que cresce ouvindo essas coisas, que esse menino não será alguém que terá dificuldades em se relacionar e se comportar, porque vai.
Nem mesmo caia na ilusão de pensar que um filho, bajulado a vida toda pelas mulheres da família, tratando ele como um rei que nada precisa fazer para ter o que quiser de uma mulher, que esse cara será um homem que respeita alguma mulher, porque não vai.
Não é o fato de um homem crescer no meio de mulheres e ser criado por eles que ele vai respeita-las. Se elas derem todo tipo de mau exemplo, o cara será pior que abusador. Será um psicopata.
Homens, isso vale pra vocês que criam seus filhos e filhas de forma distorcida, também!
Isso é uma forma de criação que eu vivi e presenciei amigos, eu e colegas passando. Vi muitas mães falando coisas assim para os filhos e irmãs também. Claro é uma decisão do indivíduo sobre as escolhas que vai tomar em sua vida com relação ao que viveu e presenciou, mas isso afeta de forma crucial na formação psicológica e de caráter da pessoa.
E, que fique claro, isso também é abusivo sim!
A pergunta que faço a você que lê esse texto é: como fica?
Como vamos ensinar aos homens sobre o respeito às mulheres, se muitas mulheres (não são poucas não, tá?!) criaram/criam seus filhos dessa maneira?
Devemos entender que educação e comportamento precisam contar com a atenção de homens e mulheres. Eu nunca ouvi meu pai fazer um comentário machista. Mas cansei de ver mulheres chamando umas as outras de nomes pejorativos. É uma realidade minha, eu sei, mas não acredito que seja só minha, assim como não acredito que seja regra.
Pode até não lhe soar bom, mas eu cansei de ver homem chamando mulher de gostosa em ponto de ônibus e mulheres chamando de vagabunda.
Aí fica bem difícil, né? Com homens assediando e mulheres ofendendo…
Muitas vezes falando baixinho, apontando dedos, mas que não é bobo percebe logo e logo escuta o que estão dizendo.
Nos anos 80 e 90, como falei no início, isso era um comportamento aceitável. Era legal, ou pelo menos essa era a ideia que te passavam, sobre ser preconceituoso, machista e racista. Faziam piadas disso e não eram poucas. Pais, mães, irmãs e irmãos mais velhos abusavam dos pequenos e achavam isso certo.
Em empresa faziam isso. Trabalhei em uma em que mulheres poderia ir trabalhar de micro-short ou micro-saia (micro mesmo). Mas homens não podiam sequer ir de chinelo. De bermuda, nem pensar.
Na linha de produção, o cara bem educado (não estou falando de nenhum lord não, estou falando de dizer “bom dia”, “boa tarde”, “por favor”), era coisa de “viado”. Esses foram os anos 90 que eu presenciei e cansei de ver assédio moral de todo o tipo passar impune.
A educação que nunca existiu
Muito se fala hoje que quando éramos pequenos vivíamos de verdade, que educação era aquela da cinta e do chinelo. Não acredite nisso! É a maior mentira que alguém já contou e estou aqui para lhe dar a minha impressão sobre isso. O mundo que batia em suas crianças com cinta e chinelo é o mesmo que hoje luta contra um machismo, racismo e outros “ismos” que ele mesmo criou. Essa é a verdade!
A verdade que eu VI, não me contaram. Muitos dos meninos que viviam apanhando de seus pais, morreram faz tempo, porque se tornaram marginais. Não foi por causa do chinelo, claro, mas o chinelo ou a cinta, pouco mudaram o rumo do caráter dessas pessoas.
Vejo jovens morrendo ou sem vontade de fazer nada, não por falta de uma surra, mas por falta de interesse de seus pais, que preferem dar um celular pra uma criança de 2, 3 anos de idade, do que serem pais de verdade. Isso É abusivo, SIM!
Quando essa pessoa estiver com vinte e poucos anos de idade, um encostado na vida e se sentindo um lixo humano, aí os pais reclamam, mas é necessário tratar pais e esses jovens.
Existe uma urgência em entender o comportamento nocivo do ser humano como um todo. Melhorar aspectos e tratar enfermidades mentais nas pessoas. Sim, eu vejo isso como uma enfermidade que resulta em vários tipos de comportamento destrutivo em amplo aspecto.
Claro que há casos e casos, e os homens devem entender e ser educados para ver a mulher como igual, como sempre deveria ser.
O que quero dizer é que não é responsabilidade exclusiva do homem esse comportamento, mas de todos (mães, tias, avós, primas e irmãs inclusive).
Vejo mulheres dizendo que machismo é ruim, mas mulher machista é pior ainda. Acho que elas não viveram nos anos 80 e 90, porque era o que mais existia no meio em que eu vivia. Um show de horrores a céu aberto.
Eu poderia aqui também falar dos abusos sofridos pelas meninas, em serem “castradas” psicologicamente durante a infância. Mas queria com este texto, chamar a atenção para o machismo e suas origens, que, precisam mudar sim, mas é necessário olhar para quem o alimenta e, muitas vezes, a mão que levanta a bandeira contra é a mesma que ajuda o mau comportamento a se perpetuar.
Não será só combatendo o machismo que a sociedade vai mudar, mas é dando bons exemplos e estudando aquilo que o machismo usa como seus elementos principais (isso é assunto mais complexo que posso dissertar sobre isso, mas não hoje).
Precisamos mostrar bons casais servindo de exemplo para a sociedade, ao invés daquela coisa midiática que só faz valer o caso do cara que bate, que maltrata, que abusa da moça e ganham espaço na mídia por causa disso.
Mas, ninguém se preocupa em verificar o histórico de ambos e ver quais abusos sofreram para um se tornar vítima e outro o agressor. Agressores assim vão ser presos e vão fazer de novo e de novo. Outra hora, como falei, vou escrever sobre o que vi e presenciei de casos de mulheres que se colocam nessa condição por sofrerem abusos na infância e agora acham que não merecem ter um cara legal, que as respeite e ame de verdade. Cansei de ver isso também.
Precisamos de pais que deixem que seus filhos brinquem com bola ou boneca, que escolham azul ou rosa, que vistam como se sentem melhor e que aprendam a olhar para esses pais e enxerguem respeito quando arrumam uma namorada ou namorado.
É percebendo que seu filho ou sua filha está se perdendo e os chamando para conversar enquanto pode. “Ah, mas ele não fala comigo!”.
Pais, não sejam omissos!
Seu filho ou filha não quer conversar, mas precisam ouvir. Melhor forçar a conversar do que ver um filho ou filha se matando todos os dias e não fazer nada.
É necessário mudar o discurso batido de que eles são assim e elas são assado, é necessário ensinar e entender que o machismo também nasce sim dentro de casa e alimentado por mulheres, também, e não só pelos homens. Só assim é que será possível enfrentarmos uma realidade de abuso infantil de toda ordem e em várias escalas, pois essa é a verdade que percebo, mas que quase ninguém gosta de falar.
A propósito, coloquei como imagem do post um homem andando no deserto, pois é assim que vejo. As pessoas querem mudança, mas não estão vendo as próprias diferenças e seus avessos. Somos como o cara andando sozinho no deserto, falando com os grãos de areia, esperando até que se mudem com o vento.