#14 O caso de Marjorie e Cleverson
Marjorie e Cleverson são nomes fictícios que escolhi para poder contar a história.
Marjorie é alguém com transtorno psicológico e que precisa de um ambiente que lhe dê condições de estabilidade, que a faça se sentir segura. Ela tem enorme dificuldade em lidar com rejeição e precisa de alguém ao seu lado que entenda que hora ela vai amar essa pessoa, logo depois ela vai odiar.
Do outro lado havia Cleverson. Um rapaz com depressão atípica, que aprendeu a ler e, da melhor forma possível, controlar seus gatilhos. Porém, Cleverson foi rejeitado (por garotas), abandonado (por amigos) e traído (por melhores amigos e familiares) várias vezes.
Ou seja, por baixo da ponte de Cleverson, já passou muita água.
Marjorie diz que é uma pessoa que sempre fez de tudo para fazer uma relação dar certo. Que sempre é a última a desistir.
Cleverson, por sua vez, é campeão em resistência. Tentou fazer as coisas darem certo por 6, 10, 30 anos. Infelizmente, Cleverson aprendeu com sua própria vida que pessoas que dizem lutar até o fim costumam ser as primeiras a desistir.
Sabe por quê?
Porque Cleverson sempre foi o último a desistir. E resistência, para ele, diz muito mais sobre persistir a qualquer custo que esperar do outro a resposta ou atitude que se entende como certa.
Marjorie tem seus traumas desde a infância. Um familiar dela tentou tirar a própria vida com ela ao lado, trancados no banheiro, e ela com seus 6 a 8 anos de idade, sem poder fazer nada, a não ser se desesperar.
Marjorie contou sobre seus problemas a Cleverson. Ambos têm uma grande diferença de idade. Ele tem cerca de 22 anos a mais que ela. Isso significa que Cleverson tem traumas que não gostaria de compartilhar com todo mundo.
Ambos têm uma relação profissional que vai se tornando uma relação de amigos, até o momento em que Marjorie diz: “Quero te ver feliz, nem que para isso eu precise te mandar um vídeo dando piruetas!”.
Marjorie não imaginava que essas palavras iriam disparar um gatilho em Cleverson. Gatilho esse que dizia a respeito de um relacionamento ruim de Cleverson em que a outra pessoa (Julia) viveu um triângulo amoroso em que preferiu abrir mão da própria vida dando tudo o que seu namorado queria (dinheiro, casa, etc) em troca de atenção.
O resultado foi péssimo. Pois Cleverson acabou com uma forte crise depressiva, e Julia se afundou nas drogas.
O problema é que Marjorie estava abrindo mão de coisas suas para ajudar o namorado, ao mesmo tempo em que fazia esse tipo de promessa à Cleverson. Ou seja, a história se repetia para Cleverson.
Sendo assim, ele tratou de buscar meios de se afastar.
Mesmo gostando de Marjorie e querendo o melhor para ela, não adiantava o que ele dissesse, ela só aceitaria aquilo que fosse conveniente para ela. Isso significava ter o apoio incondicional de Cleverson.
Porém, amigos de verdade devem advertir quando você está dando tudo de si em troca de migalhas. Para Cleverson, era isso que Marjorie estava fazendo.
Para Marjorie, não era bem assim. Ela estava lutando para fazer um relacionamento dar certo.
A questão para Cleverson é que o outro lado deve lutar por si. Ter sua própria posição e não usar a outra pessoa como motivo ou escudo. Que, na opinião dele, era o que acontecia com Marjorie.
Cleverson discordou de Marjorie e também disse que costumava afastar as pessoas de perto de si.
Essa segunda parte foi mentira. Na verdade, as pessoas costumavam abandonar Cleverson. Ele raramente deixava alguém.
Infelizmente, Cleverson, naquela altura da vida, tinha aprendido que por mais que a pessoa diga que vai se jogar sem medo do que está por vir, isso é mentira. Quando realmente for necessário confiar e se jogar, a pessoa recua e abandona sonhos, vida e esperança.
Marjorie esperava a aceitação incondicional de Cleverson. Como quem diz “que bom que tenho você em minha vida!”. Mas, o que ela ouviu foi “é muito fofo isso que você está dizendo e sou grato por isso, mas eu costumo afastar as pessoas de perto de mim, é assim que sou!”.
Cleverson não era assim, mas Marjorie parecia uma nova Julia. Alguém disposta a ser submissa a um namorado que um dia a trataria como lixo e a jogaria fora. Assim como Julia fez o tempo todo enquanto Cleverson teve notícias.
Assim que Cleverson deu a resposta que Marjorie não queria, ela, imediatamente, mudou de atitude e começou a se afastar dele.
A mensagem: “se você não vai fazer o que quero, não me serve para nada!”.
Amigos brigam, amigos se desentendem, assim como casais, assim como empresas e colaboradores. Todos esses, quando dispostos a conversar, se entendem, se resolvem.
No entanto, quando isso não acontece. A solução é a separação, normalmente, nada amigável.
Foi o que aconteceu com Cleverson e Marjorie. Infelizmente ou felizmente, não sei, eles se afastaram.
O conceito de Marjorie — de que luta até o fim para algo dar certo — sequer se aproxima ao conceito básico de Cleverson sobre o mesmo assim.
Ela dizia que ambos se entendiam muito por terem histórias parecidas. Mas, ele sabia que ela tinha muito mais traumas.
Ele acredita que tem muito a aprender, inclusive com ela. Ela acha que já sabe muito e está num nível de maturidade que seu próprio namorado ainda não está.
Ele sabe que o sentimento de superioridade é apenas uma ilusão. Que idade não determina maturidade, e traumas não significam aprendizado.
Ela se dá presentes infantis e o tal “dia do doce”. Ele não tem mais tempo para chorar, pois as lágrimas secaram. Atravessou a linha da desesperança, do medo, da falta de sorte e já não têm esperado mais nada de ninguém.
Ela, por sua vez, ainda parece esperar que tudo seja como ela gostaria que fosse. Constantemente se revoltando contra a vida, contra as pessoas, ainda assim jogando o jogo que diz não querer jogar.
Para existir, Marjorie precisa das redes sociais. Já Cleverson, precisa apenas de si.
Isso não faz com que Cleverson ame menos, sinta menos. Ele poderia dar tudo de si para Marjorie, mas ele não quer isso. Ela só gostaria que ele fosse aquilo que ela espera, muito mais que aquilo que ele realmente é.
Cada um com seus traumas e gatilhos, Cleverson e Marjorie são duas pessoas como milhões ao redor do mundo. Pessoas que se completariam, não fosse pelas próprias ilusões.